Hoje a minha avó fez anos.
Como neta desnaturada e super despassarada, só liguei no final do dia de trabalho, meia hora antes de me despachar para ir dormir.
Coitada da senhora, dia 9 de Abril e nem se lembrava que fazia anos.
Se não fosse a minha mãe, filha dedicada que a senhora nunca soube dizer obrigada, não se recordava do seu dia de nascimento.
81 anos, 81 primaveras, 5 anos sem o seu marido amado ao lado.
Tornou-se uma alma abandonada.
Perdeu a sua companhia, a companhia de uma vida.
Esta senhora, minha avó, nunca soube apreciar este seu terceiro compasso da vida.
Como avó, nunca deu grande valor ao sorriso dos seus netos, às alegrias que estes lhes proporcionavam.
Muito senhora de si, dona da sua razão, sempre muito preocupada com os seus afazeres, com as suas responsabilidades, com as suas pequenas coisas.
Ao telefone falou-me de estar às escuras.
- Então mas a avó não acendeu a luz? – Perguntei eu preocupada com a senhora minha avó que se encontra sozinha em casa.
- Não! Está acesa. Eu é que não vejo nada. Está sempre tudo escuro. – Disse-me ela do outro lado da linha.
Pensei logo, será que está pior da visão? Serão cataratas? Início de cegueira?
- Então e a avó não vai ao médico ver disso?
- Ai não! Ando aqui ocupada com um afazer. E não tenho pachorra de ir ao médico. Não sei o que é e também não quero saber!
Uma pessoa em chegando a esta idade já tem tudo. Já dói tudo! - Tão mas não seria melhor ver isso? Saber o que é?
- Ai não! Vou agora chatear a tua mãe com uma coisa dessas? Sei lá eu se ela tem o carro, se o teu pai não precisa dele para trabalhar? Não vou agora incomodar e pedir um “chauffeur”!
- Ora, mas se a avó pedir é melhor, à minha mãe também não lhe custa. Sabe que ela não se importa, se lhe pedir. É preferível isso, a andar ai sem cuidado nenhum. A avó sabe que nós fazemos as coisas com gosto. E se calhar, é porque nos importamos consigo.
- Ahh pois…. Pronto tá bem. Eu amanhã logo falo com ela para ir comigo então.
Como já devem de ter reparado, a minha querida avó apresenta o sintoma de quem têm vergonha. Sim! Vergonha de pedir, pedir ajuda.
A minha avó sempre foi uma senhora muito despachada, se não desse de uma forma sempre arranjava outra para fazer fosse o que fosse. Nunca gostou de pedir favores ou de oferecer favores. Sempre muito dona do seu nariz. Ninguém vergava aquela mulher!
Só que nós enquanto seres humanos precisamos sempre uns dos outros. Seja para coisas boas seja para coisas más. Precisamos uns dos outros. Não devemos de achar que ao dar nunca vamos receber. Nunca devemos de pensar assim. Devemos de oferecer sempre sem pensar em receber automaticamente algo em troca. Acontece que a senhora minha avó não pensa assim…
É castiça! Muito própria. Rija até. Uma educação e trabalho duro tornaram-na rude, fria, e talvez um pouco amarga.
Mas pergunto-me, terão sido só os factores externos da sua vida que a tornaram na pessoa que é, ou será a forma como ela encarou a sua realidade que contribuiu para isso mesmo?
Terá ela sofrido e permanecido nesse sofrimento atroz que a vida lhe proporcionou porque nunca soube encarar as coisas de outra perspectiva?
Lembro-me que o meu avô era uma pessoa alegre, bastante paciente e tolerante. O exacto oposto da minha avó. (É o que o conhecimento geral diz: “Os opostos atraem-se!”)
O meu avô adorava passear, passar bons momentos em família, o Natal e a Páscoa eram sagrados para ele. Eram as alturas perfeitas para juntar toda a família à mesa, comer ensopado de borrego e beber vinho branco.
O meu falecido avô adorava viver! Adorava comer, beber e saborear. Apreciava imenso as pequenas coisas da vida. Dava-lhes o merecido valor. Nunca ligou para o que os outros lhe diziam, para o que os outros invejavam dele. Era um ser livre e descomplicado.
Já a minha avó…. Sempre complicou um bocadinho as coisas… para o lado dela.
Sempre se importou muito com o que “este” ou “aquele” vão comentar “deste” ou “daquele” assunto. Sempre ligou muito à forma como se veste, ao que diz, à forma como o diz, ao tom do que diz.
A meu ver sempre se preocupou mais com o que transmitia aos outros do que a mensagem que deveria de transmitir para ela própria. Cuidou mais do seu exterior do que do seu interior. Talvez se tenha dado a diferentes prioridades na sua vida completamente diferentes daquelas que eu tomo como minhas prioridades.
O certo é que somos todos diferentes uns dos outros, todos temos experiências diferentes e todos temos uma história diferente para contar. Agora a forma como lidamos com a nossa realidade é que faz de nós seres maiores ou menores à nossa própria existência.
Que a minha querida Emídia Maria esteja cá por mais umas quantas, se não mesmo muitas primaveras. Que saiba aproveitar esta terceira fase da melhor forma e com a melhor qualidade possível. Que aprecie as pequenas coisas que lhe vão surgindo na vida e que lhe possam dar alguma alegria, algum alento no seu viver. Que mesmo sendo teimosa saiba agradecer por ter uma família que a ama, muito! E que não diga que o mau feitio e o refilar é genético!!!
E que eu, bem que eu não seja uma neta tão despassarada e despistada no futuro! E que continue a ter vontade de por a minha avó a sorrir. Mesmo sendo uma chamada ao fim do dia a desejar-lhe um feliz aniversário.
Para o ano estamos cá todos!
Ana Moura
9 de Abril de 2019